sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Onde estará Maurício Ribeiro?


Você está dormindo sossegado com sua mulher em seu quarto. Quem sabe sonhando com uma promoção no emprego ou uma praia deserta, sentindo inconscientemente a maciez do travesseiro no rosto e o conforto do colchão king-size recém-comprado suportando bem o peso do seu corpo. Lá pelas cinco e meia da manhã, o dia começando a dar as caras, vocês acordam sobressaltados ao ouvirem a porta do quarto ser arrombada. Em seguida, entram vários homens armados com pistolas e metralhadoras que passam a ameaçá-los violentamente, perguntando por um tal de Maurício Ribeiro. Você conhece algum Maurício Ribeiro? Nem eu. Assim como um casal que mora no Bairro no Paz (uma das muitas favelas de Salvador dominadas pelo narcotráfico) também não conhece. Mas, ao contrário de mim e de você, que acordamos hoje com uma preguiça gostosa e levantamos para trabalhar, esse casal teve realmente a casa e o quarto arrombados por um grupo de homens truculentos, que perguntavam a todo instante sobre o tal Maurício Ribeiro. Com um detalhe: esses homens, devidamente uniformizados, estavam ali numa missão chancelada pela Secretaria de Segurança Pública. Não eram ladrões ou traficantes.

O que aconteceu com esse casal, que não quis se identificar ao dar seu depoimento para a repórter de um jornal local, desvela um pouco – mas só um pouco – da guerra civil de proporção quase africana em que vivemos. Uma guerra na qual as trincheiras são os amontoados de casas com tijolos aparentes que insistem em aparecer em todos os cantos da cidade. "Nunca fomos assaltados no bairro e somos vítimas de uma violência cometida pela própria polícia", desabafa a moça que teve a casa invadida, dando a deixa para a gente se perguntar: é justo viver assim? Ou melhor, é humano viver assim? Que inversão de valores é capaz de produzir tamanho disparate? Mesmo levando em conta que policiais vivem um cotidiano permeado por situações-limite, são mal pagos, mal aparelhados, mal treinados e malvistos pela população, como entender um procedimento assim, ainda mais em se tratando de uma regra, não de uma exceção?

Quando isso acontece os valores se pulverizam. Se aos olhos de um menino da favela o policial é o bandido, então sua visão de mundo se distorce, e não há senso de justiça plausível, a não ser o da bala disparada, não importando em qual corpo ela venha a se instalar. Numa realidade assim, a tragédia de ser pobre não é ter que se virar diariamente para pagar a conta do mercadinho, arrumar emprego ou conseguir um teto. É ter que negar o tempo todo, para si mesmo e para os outros, que ele não é um bandido. Pobreza não é sinônimo de má índole, embora, num lugar onde elas andam geograficamente irmanadas, seja cômodo pensar assim. Ao menos facilita a vida de quem vai invadir a favela à procura de traficantes. Enfim, é nessa cidade que vivemos. Uma cidade que se assemelha a um gigantesco depósito de pólvora a céu aberto. E – basta lembrar do que aconteceu em Santo André na manhã de ontem – a gente sabe bem o que pode acontecer quando se estoca muita pólvora num só lugar.

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