quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ídolos abatidos




Lembrei agora de Ettore Scola, um cineasta de que gosto muito, e me dei conta, após pesquisar em um site especializado, que ele não faz filmes há uma década. Está com mais de 80 anos, e creio que não irá mais nos oferecer pérolas de encanto, reflexão e sentimento como Um Dia Muito Especial (o meu preferido), Feios, Sujos e Malvados ou Nós que nos Amávamos Tanto. Nem todos, afinal, são Manoel de Oliveira, que aos 105 anos filma com ímpeto de iniciante. O tempo um dia se torna um fardo. É impossível continuar e aos poucos nós, que nascemos no século 20, vamos ficando órfãos dos nossos ídolos. Tenho pensado nisso ultimamente, agora que estou lendo Conversas com Woody Allen, reunião de entrevistas com o cineasta feitas por Eric Lax ao longo de mais de 30 anos.

Allen tem 78 anos. Seu tempo pode estar acabando, o que é uma lástima. Não gostaria de abandonar o hábito de assistir aos filmes que ele lança a cada ano, mesmo que não sejam mais as obras-primas do passado. O que importa é ele continuar sendo uma referência moral e cultural da qual não podemos prescindir. Como Luis Fernando Verissimo, que aos 76 anos foi internado uns meses atrás com uma infecção grave e me deixou morrendo de medo de perdê-lo. Outros vão sendo abatidos em pleno vôo outonal. É o caso de García Márquez, cuja centelha se extingue inevitavelmente, como a Macondo de Cem Anos de Solidão. A possibilidade da perda de pessoas luminosas, como as citadas acima, é particularmente dolorosa no meu caso, já que a maioria dos mestres que admiro – seja na música, no cinema ou na literatura – não habita mais o mundo.

Enfeitam meu gabinete pôsteres de John Coltrane, Miles Davis, Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Jack Kerouac, Charles Bukowski, García Márquez e Philip Roth, além de uma ilustração do cartaz de A Doce Vida, de Federico Fellini, com Marcello Mastroianni. Todos mortos, com exceção do senil Gabo e de Roth, recém-aposentado aos 79 anos. Nas estantes, outros mortos ilustres. Não posso me dar ao luxo, por exemplo, de esperar pelo novo romance de Somerset Maugham ou pelo novo álbum de Thelonious Monk. É claro que esse culto aos que já foram revela também a passagem do tempo para mim mesmo. Estou profundamente atrelado ao século ao qual pertenço, daí ansiar tanto pela permanência dos que ainda estão aqui e que também pertencem a esse século. Vivam, é o que peço. Vivam muito, se possível mantendo a mente inquieta, a espinha ereta e o coração tranquilo.