quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Companheiros de geração


Cazuza tinha 32 anos quando morreu, em 1990. Eu estava com vinte na época, e ter 32 anos me parecia algo remoto, como um ponto vagamente luminoso no céu escuro. Renato Russo morreu em 1996, aos 36 anos. Eu estava com 26 e, mesmo nessa época, ter 36 anos me parecia algo distante, como um lampejo do que queríamos ser quando éramos adolescentes. Mas agora, ao ler o texto de um amigo sobre John Lennon, me dei conta de que ele morreu aos 40 anos. E esse número não me remeteu a um ponto vagamente luminoso ou mesmo a um lampejo do passado. Lennon morreu com a idade que terei daqui a quatro meses. Percebo então, com a clarividência dos ignorantes, o quanto somos novos, por mais que o relógio insista em dizer a cada segundo, como num filme de Mario Peixoto: “Menos um, menos um, menos um”. Quase três décadas após sua morte, nos tornamos enfim, Lennon e eu, companheiros de geração. Enquanto eu dei a sorte de caminhar sem olhar para trás, as quatro balas que se alojaram em seu corpo fizeram dele uma estátua de sal, como na maldição divina imposta à mulher de Ló, que se virou para contemplar a Sodoma destruída.

Lembro de uma cena em Antes do Amanhecer que até hoje me comove: é quando Céline está com Jesse num cemitério em Viena que ela havia visitado quando criança, e lá vê o túmulo de uma garota morta aos 13 anos. Enquanto Céline chegou aos 20, a garotinha permanece com 13. Ou seja: algo muito precioso lhe foi roubado. Como foi roubado de Lennon quando Mark Chapman descarregou o revólver em cima dele. Já escrevi aqui no blog uma bela frase de Scott Fitzgerald, na qual ele diz: “Aos 18 anos, nossas convicções são colinas de onde contemplamos o horizonte; aos 45, são cavernas em que nos escondemos”. Bem, vou fazer 40 anos, e ainda não me vejo encerrado numa caverna, embora as minhas convicções estejam em grande parte sedimentadas de forma definitiva num maciço geológico. Duvido que tenha sido diferente com Lennon. Em dezembro de 1980, pouco antes de se virar para atender ao chamado do seu assassino, o mundo devia se apresentar para ele como um sofisticado e bem equipado laboratório de experiências existenciais. Ou, para ser mais direto, um lugar do qual ele não gostaria de se despedir tão, mas tão cedo.

2 comentários:

Ricardo Ballarine disse...

Cara, e eu vou aos 40 daqui a sete meses... Escrevi um texto sobre esse passar do tempo, ainda não postei, mas tem muita ver com o que você escreveu. Nos conhecemos aos 24 anos... E acho que você se deu dois anos quando cita que tinha 28 anos quando Renato Russo morreu. Somos de 70.

Paulo Sales disse...

É, esse é um tema que mexe muito comigo (dá para perceber pela quantidade de textos sobre o assunto no blog). Não só pela passagem do tempo em si - e da próximidade do fim - mas também pela sensação de que nos sentimos muito novos, apesar dos pelos brancos e de um certo cansaço e saco cheio do mundo. Mas vamos caminhando. Obrigado pela correção. E só agora me dei conta de que já faz 15 anos que estudávamos na Cásper, íamos ao Puppy (ainda vou sempre) e gostávamos dos Rolling Stones.
abs