quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Receita para fazer um vilão


Acabo de ler uma reportagem que relata os crimes de Hildebrando Pascoal, aquele sujeito que lá no Acre tinha o costume de se armar de uma motosserra para dar cabo de seus desafetos ou qualquer um que cruzasse indevidamente o seu caminho. A trajetória de Hildebrando é exemplar: nos anos 80, ele comandou um grupo de extermínio responsável por mais de 60 assassinatos no estado – foi nessa época que se diplomou com louvor no curso de operador de motosserra – e pouco depois já manejava seus tentáculos por todo o poder público acreano, além de diversificar seus negócios com o tráfico de drogas. Isso antes de ser eleito deputado federal, o que acabou coroando uma carreira em franca ascensão. Mas depois de todo auge vem a derrocada: hoje ele está preso, e a soma de suas penas chega a 106 anos. Entre tantos crimes, o mais conhecido foi o assassinato de um homem inocente e de seu filho de 13 anos. Repito: 13 anos. Para isso, utilizou seu instrumento favorito, com o qual amputou braços, pernas e pênis. Não foi tudo: o homem ainda teve os olhos arrancados e um prego enfiado na testa, antes de receber no mínimo quatro tiros na cabeça. Sua viúva, que testemunhou contra Hildebrando no Tribunal do Júri do Acre, vive escondida com os outros filhos do casal em paradeiro desconhecido, após ter fugido apavorada de Rio Branco. Não reproduzo esses detalhes por prazer mórbido, mas para tentar exorcizar o sentimento de impotência e indignação que me toma como uma febre. E, também, para repensar minhas convicções e dividi-las com quem lê este texto. Afinal, o que merece um homem assim? Devemos nos igualar ao nobre deputado Hildebrando e cortá-lo em pedacinhos? Matá-lo com instrumentos perfurocortantes em meio a um discurso verborrágico, como um personagem de Tarantino? Deixar que apodreça na cadeia? Ou aceitar passivamente que no Brasil as leis só permitem a um condenado passar no máximo três décadas encarcerado? Deixo com vocês.
O que mais me intriga em casos como o de Hildebrando Paschoal é de que forma pessoas como ele – estúpidas, embrutecidas e intrinsecamente más – conseguem acumular tamanho poder, afora o fato de exercerem o terror em escala industrial como estratégia de intimidação. A verdade é que o mal seduz e inebria, e a trajetória humana sobre a Terra está aí para comprovar isso. Ou que outra justificativa haveria para que milhões de seres humanos aceitassem passivamente que um homem, apenas um, ordenasse e pusesse em prática um genocídio? Com sua motosserra covarde, Hildebrando é apenas uma piabinha no oceano habitado por grandes vilões da civilização, que tem em Hitler o mais corpulento dos leviatãs que já singraram esses mares. Hitler, porém, não está sozinho. Nem preciso ir até a estante e consultar um livro intitulado Tiranos para citar de cor nomes como Pol Pot, Pinochet, Stálin, Milosevic, Hussein e Idi Amin, para ficar apenas no século 20 e nos mais altos postos de comando. Como eles chegaram a tanto? E, numa escala reduzida (não de perversidade, obviamente), como Hildebrando pôde chegar a tanto, mesmo matando, torturando, aterrorizando e intimidando tanta gente? Ou seria exatamente por isso que ele chegou a tanto? Não há um padrão, um molde preciso para o êxito do mal, embora a apatia, a indiferença e o medo sejam talvez os principais ingredientes dessa receita – ingredientes fartos na maior parte do mundo, vale ressaltar. Enfim, as perguntas que me faço a cada dia, a cada novo fato repulsivo que salta dos jornais e das telas de computador, são sempre as mesmas. De onde vem o mal? Qual é a sua natureza? Como ele se processa em nossos corações e mentes? Que tipo de centelha permite que ele deixe o estado latente e se manifeste? Por que é tão poderoso? Penso que nem Hildebrando, no exato momento do abate de inocentes, seria capaz de respondê-las.

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